Nua

Estou nua.  Coloquei um pano em baixo pra me proteger da cadeira porosa, não gosto de minhas intimidades tocando o assento.  Passei a infância sem roupa em Ubatuba, na praia, em Campinas pelas casas em que moramos, na adolescência viajando por países que tratavam a nudez sem moralismos.  Sempre me senti à vontade nos hotéis de jovens com banheiros mistos, nas praias caribenhas, nas saunas árabes, nos jardins holandeses, nas piscinas públicas da França, Alemanha, Dinamarca, em que ninguém se alvoroçava com um peito, firme ou flácido. Estamos sempre todos nus embaixo da roupa.  E com esse calor tropical, Senhor pra quê? Os índios sabiam das coisas, quem teve a ideia de impor nossas vergonhas sobre as liberdades que eles tinham pra nos ensinar? De tempos pra cá, sei lá por que, preciso sempre de um pano por cima – mais um condicionamento bobo que devo abandonar.  É domingo, não há ninguém aqui, não tem filha, nem cão. A filha foi cuidar da própria vida e já faz um ano.  E Isadora, minha cachorra adorada, morreu.  A casa é só minha.

Quando comecei esses escritos (porque isso, fora da novidade que é este blog, nasceu como um livro) meio sem rumo, a ideia era nunca revisar, deixar fluir com erros e a falta de clareza que rola pelo pensamento correr à frente da escrita.  A ideia inicial foi manter o estilão do jeito que saísse, com todos os erros à mostra.  É difícil pra mim pois imensa parte do prazer está em burilar, infinitamente no meu caso.  Sou perfeccionista, e se fosse Eva, a única, se não houvesse alma a me olhar, ainda assim faria meu melhor. Sofro qdo as circunstâncias me obrigam a entregar algo que não meu melhor fruto.  Então, aqui, a proposta me inquietou e eu a burlei.  Voltei, mexi, remexi, e quando vi, havia parado de escrever.  Por conta de reler, me perguntava a cada vez, pra que serve esse despejar de intimidades (há muitas no que seria o livro). E não tenho a resposta!  Mas nunca fui de calcular os passos, eu ando, ainda que não haja um ponto claro onde queira chegar.  A intuição me aponta o Norte.  Nas noites mais escuras ela me ofereceu um sentido sempre incomum para vida.   Escrevo talvez por saber que ando triste como nunca, e por este estado trazer consigo a reflexão.  Talvez pra não cair numa espiral atordoante e destrutiva, eu tenha intuído que deva escavar as sombras em busca de algo escondido.

Desviei.

Voltando às correções que comecei a fazer, viraram um objetivo em si mesmo, porque era menos doído, isso, do que a investigação cirúrgica em território inflamado. Só que a revisão desaguou em um muro de autocríticas.  E parei.